Com atraso no plantio em todo o Estado, em razão das chuvas ocasionadas pelo fenômeno El Niño, a cultura pode contabilizar prejuízos à produtividade mas ter ganho no volume colhido, graças aos 80 mil hectares semeados a mais
O desempenho da safra de arroz 2023/2024 ainda não pode ser definido no Rio Grande do Sul, apesar de a colheita do alimento estar se avizinhando e das perspectivas serem um pouco melhores do que as da safra passada, mas ainda com possibilidade de perdas. Embora as chuvas trazidas pelo fenômeno El Ninõ sejam um elemento muito favorável à orizicultura, que é uma cultura essencialmente irrigada, o excesso prejudicou o andamento do plantio. Com isso, a colheita, tradicional para meados de fevereiro – quando inclusive ocorre sua cerimônia de Abertura Oficial, em Capão do Leão –, deve se concretizar realmente a partir de março.
Segundo o diretor comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Ailton Machado, observou-se plantio do grão em algumas regiões ainda nas últimas semanas de janeiro, em razão de enxurradas que impossibilitaram a entrada nas lavouras para a semeadura. “Por causa disso, podemos experimentar uma perda na produtividade que será compensada pelo aumento de área que ocorreu em relação à safra passada”, comenta.
Na safra 2022/2023, diz Machado, o Estado semeou 860 mil hectares de arroz, enfrentando problemas com a estiagem e, em algumas regiões, tendo de fazer rodízio nos seus sistemas de irrigação para abastecimento de água nas lavouras, tendo em vista o esgotamento dos mananciais. Neste ano, o Irga estima que foram plantados 920 mil hectares, o que pode levar a uma produção de até 7,8 milhões de toneladas, a depender do clima durante o mês de fevereiro. No ano passado, a produção foi de 7,2 milhões de toneladas.
“Se o mês de fevereiro apresentar bastante dias de insolação, vamos ter boa produção, mas produtividade igual ou pouco superior à da safra passada. O que vai evitar prejuízo do produtor mesmo será o avanço de área”, antecipa. O diretor do Irga cita a meteorologista do instituto, Jossana Cera, que, de acordo com ele, tem identificado nos prognósticos climáticos o enfraquecimento do El Niño a partir deste mês. “Acreditamos que o pior do fenômeno já passou.”
Machado ressalta que o preço do arroz, o qual chegou a R$ 132 a saca de 50 quilos em dezembro, está em acomodação neste momento, chegando agora, nos primeiros dias de fevereiro à casa dos R$ 120. Ele recorda as mudanças estruturais que vêm sendo feitas pelo produtor no plantio do alimento, em especial a rotação com a cultura da soja, que protege as lavouras de uma série de doenças e, protegendo o solo, garante melhores produtividades e liquidez financeira. Ele salienta, ainda que os relatos que o Irga tem ouvido dos produtores é de que as áreas plantadas se desenvolvem bem e as plantas se apresentam muito bonitas.
Andressa Silva, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), também entende que o futuro da safra do arroz é de incerteza neste momento. Mesmo com o acréscimo de área de 7% na área total plantada nacionalmente com o grão, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Andressa acredita que o desempenho será comprometido pelo atraso na semeadura. Ela relata que a produtividade deve ser menor e que a safra total do Brasil oscilará entre 10,3 milhões e 10,8 milhões de toneladas. “Com chances de ficar mais próximo mesmo dos 10 milhões de toneladas”.
Conforme Andressa, a entidade recebeu relatos de agricultores de Santa Catarina informando que as chuvas intensas naquele estado ocorreram no período de floração, o que afeta bastante o desenvolvimento das plantas. “Cremos que deve ocorrer o mesmo em algumas áreas do Rio Grande do Sul”, prevê.
A dirigente garante que não vai faltar arroz para o consumo nacional, mas acredita que a demanda por importações deve se manter firme, uma vez que o país também precisa cumprir seus compromissos de exportação. E não descarta alta de preços no produto para o consumidor. “A expectativa é de que o Brasil exporte cerca de 2 milhões de toneladas, mas acredito que possa não chegar a tudo isso, pois não temos preço competitivo e podemos não conseguir colocar todo esse arroz aí fora”, completa. Andressa destaca, porém, que há compromissos internacionais que o país precisa manter, “para não se tornar um mercado pouco confiável e que só exporta quando tem safra boa”. Segundo ela, os mercados de Peru, Estados Unidos, Países Baixos, Espanha, Cuba e Arábia Saudita são os maiores compradores do arroz brasileiro.
O professor da Esalq/USP e pesquisador para grãos do Centro em Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Lucílio Rogério Aparecido Alves, analisa que o maior problema sofrido pelo arroz brasileiro e que influenciou na rentabilidade da cultura ao longo dos anos foi a baixa demanda. “Isso fez com que os preços do arroz ficassem baixos e a cultura não se mostrasse rentável ao produtor”, diz.
Alves ressalta que foi a partir dessa necessidade de melhorar seus rendimentos que os agricultores passaram a optar pelo plantio da soja ou mesmo de pastagens, o que ajustou a oferta orizícola e fez os preços melhorarem. Por outro lado, o pesquisador salienta que no ano de 2023 houve a menor disponibilidade de arroz do século 21. “A menor produção e a menor disponibilidade. A menor disponibilidade é quando a gente considera estoque inicial, mais produção e mais importação. A ponto, inclusive, de os estoques em dezembro de 2023 serem suficientes para menos de nove semanas de consumo”, explica.
Fonte: Correio do Povo